Questões Controversas sobre o Prontuário Médico

O prontuário médico consiste de todo o acervo de documentos organizados de forma padronizada.

Trata-se de um registro organizado dia-a-dia de todos os atendimentos e tratamentos ministrados ao paciente por todos os profissionais envolvidos na assistência.

O prontuário se apresenta como um verdadeiro dossiê referente ao atendimento e tratamento dispensado ao paciente no interior de um estabelecimento de saúde.

Todos os profissionais da saúde que atendem pacientes são obrigados a manter registro pormenorizado do atendimento, sejam eles dentistas, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfim, todos os profissionais que isoladamente ou como parte integrante de uma equipe forneçam tratamentos e cuidados diretos aos pacientes.

Consta do prontuário do paciente as fichas, ocorrências, intercorrências, incidentes, acidentes, sendo que cada profissional responsável pelo atendimento é obrigado a lançar notas na parte que cabe no todo representado pelo atendimento fornecido ao paciente.

O prontuário serve como meio de informação ao médico e aos demais profissionais encarregados de aspectos específicos nos cuidados ministrados.

As empresas privadas prestadoras de serviços de saúde suplementar, o próprio prestador de serviços de saúde (hospital, clínica etc).
Os órgãos da área da saúde ligados à administração pública nas três esferas de governo podem utilizar os dados lançados em prontuário para fins estatísticos e
para estudos de adoção de políticas públicas de saúde.

O prontuário pode servir como meio de defesa para os profissionais da saúde em eventuais imputações de ordem técnica no âmbito do poder judiciário nas esferas cível e criminal, assim na esfera administrativa em função de imputações de infrações éticas.

Há quem acredite que o prontuário do paciente sirva apenas como meio de as empresas responsáveis pelo atendimento cobrarem a quem de direito por sua prestação de serviços. Nada mais enganoso que isto, pois, a correção e a pontualidade nos dados lançados no prontuário do paciente podem servir tanto como prova favorável ou contrária aos profissionais a quem eventualmente se possa imputar erro técnico ou ético em relação aos tratamentos e atendimentos realizados.

Afim de fazer desvanecer a celeuma criada sobre a necessidade ou importância do lançamento dos dados o prontuário o CREMESP lançou a Resolução Normativa infra:

RESOLUÇÃO CREMESP Nº 70, DE 14 DE
NOVEMBRO DE 1995.
Diário Oficial do Estado; Poder Executivo, São Paulo, SP, n. 226,
28 nov. 1995. Seção 1
Vide resolução CFM 1638/02

CONSELHO
REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO
, no uso das atribuições que lhe
conferem a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO que o Código
de Ética Médica preconiza ser vedado ao médico, deixar de elaborar prontuário para cada paciente;

CONSIDERANDO que o prontuário é o documento imprescindível do atendimento médico e que traduz a atenção dispensada ao paciente, devendo conter todas as anotações dos profissionais de saúde envolvidos;

CONSIDERANDO que o prontuário deve ser organizado por ordem cronológica de data, de forma a permitir a continuidade do tratamento do paciente;

CONSIDERANDO que o prontuário constitui meio de prova idôneo para instruir Processos Disciplinares e/ou Judiciais;

CONSIDERANDO que o exercício ético profissional da medicina exige a transparência de todo atendimento médico;

CONSIDERANDO que o prontuário médico deve ser confeccionado segundo critérios que atendam as suas finalidades;

CONSIDERANDO finalmente o decidido na Sessão Plenária realizada em 14-11-95.

RESOLVE:

Artigo 1º - É obrigatória a criação das Comissões de Revisão de Prontuário Médico nas Unidades de Saúde onde se presta Assistência Médica.

Artigo 2º - Os integrantes da Comissão de Revisão de Prontuário Médico, terão os seus mandatos e processo de escolha, consignados no Regimento Interno do Corpo Clínico da Instituição;

Artigo 3º - A Comissão de
Revisão de Prontuário compete:
I - A avaliação dos itens que deverão constar obrigatoriamente:
a) identificação do paciente, anamnese, exame físico, exames complementares e seus respectivos resultados, hipóteses diagnosticas, diagnóstico definitivo e tratamento efetuado.
b) obrigatoriedade de letra legível do profissional que atendeu o paciente, bem como de assinatura e carimbo ou nome legível do médico e respectiva inscrição
no CREMESP.
c) obrigatoriedade do registro diário da evolução clínica do paciente, bem como a prescrição médica consignando data e hora.
d) tipo de alta.
II - Assessorar a Direção Técnica ou Clínica da Instituição em assuntos de sua competência.
III - Manter estreita relação com a Comissão de Ética Médica da Unidade com a qual deverão ser discutidos os resultados das avaliações feitas.

Artigo 4º - As Unidades de
Saúde terão o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da publicação desta Resolução, para implantar as modificações dela decorrentes em seus Regimentos
Internos.

Artigo 5º - Esta Resolução
entrará em vigor na data da sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

São Paulo, 14 de novembro de 1995.

Dr. PEDRO HENRIQUE SILVEIRA
Presidente

Aprovada na 1723ª Reunião Plenária, realizada em 14-11-95

Com esta Resolução o CREMESP fez cessar quaisquer dúvidas sobre os motivos ou se haveria ou não obrigatoriedade quanto ao lançamento dos dados.

O Conselho Federal de Enfermagem editou a Resolução Normativa 429/2012 no mesmo diapasão.  O Conselho Federal de Psicologia também editou a Resolução
Normativa 005/2007, com base na Resolução 010/2000 e, por analogia, a Portaria Ministério da Saúde 251/2002, tornado obrigatória e padronizada o lançamento dos dados de atendimento do paciente em prontuário.

O Conselho Federal de Fisioterapia tratou do tema do prontuário do paciente na Resolução Normativa 414/2012.

Em 2004 o Conselho Federal de Odontologia lançou uma publicação destinada ao profissionais da área e aos conselhos regionais criando parâmetros mínimos e padrões para o lançamento de dados no prontuário dos pacientes, deixando, contudo, a adoção de demais parâmetros a cargo dos conselhos regionais.

O Conselho Federal de Fonoaudiologia lançou em 2009 a Recomendação nº 10 sobre o lançamento de dados dos pacientes atendidos pelosprofissionais.

Praticamente todas as profissões da área da saúde possuem regulamentos emitidos por seus conselhos de fiscalização classista acerca da
forma como devem proceder o lançamento de dados e registro de evolução do paciente no prontuário, principalmente quando o profissional estiver no
exercício de sua profissão atuando em equipe multidisciplinar.

As informações que constam do prontuário do paciente, por se tratar de seu histórico, sem a menor sombra de dúvida pertencem ao paciente, embora o dever de guarda do prontuário enquanto documento pertençam à instituição responsável pelos cuidados fornecidos ao paciente, devendo a instituição disponibilizar as informações mediante simples requerimento do paciente.

Mesmo sendo um direito do paciente, a instituição não está obrigada a entregar os originais do prontuário, vez que se liberará da obrigação de entregar as informações pelo fornecimento de cópias reprográficas do prontuário.

A mesma obrigação quanto ao dever de guarda e disponibilização de informações pesa sobre o médico quando este atua em seu consultório particular, pois, em havendo negativa por parte do médico ou de instituição, poderá o paciente valer-se da competente ação de exibição de documentos, obrigando o profissional ou a instituição a apresentar o documento solicitado em juízo.

Os originais do prontuário do paciente, por se tratar de documentação protegida pelo sigilo profissional, não é aberto ao SUS ou às operadoras de planos de saúde complementar para auditorias, segundo entendimento manifestado pelo CFM em Parecer-Consulta nº02/94.

A proteção ao sigilo profissional e à intimidade do paciente devem ser preservadas, inclusive de requisições feitas pelo Poder Judiciário, tendo a 2º Câmara do STJ decido que, em havendo necessidade de compulsar o prontuário do paciente, o juiz deverá nomear um perito médico para esta finalidade. 

PROCESSO-CONSULTA CFM N.º 4842/93.
PC/CFM/Nº 02/94

 

INTERESSADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

ASSUNTO: FORNECIMENTO DE PRONTUÁRIO PARA
AUDITORIAS DO SUS E OUTROS TOMADORES DE SERVIÇOS E PARA AUTORIDADES
JUDICIÁRIAS.

CONSELHEIRO RELATOR: NEI MOREIRA DA SILVA

Em 10/11/93 o ilustre Presidente do
Conselho Regional de Medicina do Estado do Espírito Santo enviou ofício a este Conselho Federal formulando consulta sobre se devem as instituições prestadoras
de serviços médicos enviar prontuários de seus pacientes para as auditorias do SUS e de outras instituições tomadoras de serviços médicos quando por estas
solicitados. Estende tal questionamento a quando a solicitação provir do Poder Judiciário. Explica o consulente que em seu Estado, freqüentemente, em tais circunstâncias, ocorriam extravios de prontuários causando perda de dados clínicos de grande valia para possível seguimento daquele paciente em seus futuros retornos aquela instituição. Objetou, ainda, o consulente, lembrando o prejuízo para as ações fiscalizadoras do Conselho Regional de Medicina que tais perdas representam. Preocupa-se, também, o Presidente daquele Regional, com possíveis infringências ao estatuto do sigilo profissional decorrente do aumento do universo de pessoas, principalmente não médicos, que passariam a ter acesso àquelas informações contidas nesses prontuários.

Anexou à presente consulta cópia do
Parecer Consulta 008/93, aprovado naquela Casa, em 05/10/93, sobre tal matéria,
que concluiu:

(O diretor) "que encaminhar cópia de prontuário a ser examinado fora das dependências do Hospital infringe o Código de Ética Médica".

Demonstrando preocupação com a questão, em 25/11/93, encaminhou novo ofício a este Conselho Federal reiterando os termos da consulta inicial e encaminhando cópia de ofício no qual o Chefe do Serviço de Controle e Avaliação do Sistema Ambulatorial, Hospitalar e
Complementar comenta as competências do seu serviço, as irregularidades mais freqüentemente encontradas e menciona não dispor de auditores e viaturas para cobertura dos hospitais do interior bem como da inconveniência de que as
auditorias sejam feitas "in loco" pois "permite contacto do supervisor com o supervisionado". Ainda segundo o Chefe do SISAC, os hospitais geralmente não dispõem "de local adequado para estas supervisões."

Em 09/12 pp esta consulta nos foi encaminhada.

As preocupações trazidas pelo consulente são procedentes e relevantes. Tal questão repriza-se em todo o País, com certeza. De um lado o direito dos tomadores de serviços médicos, de verificar a prestação desses mesmos serviços, direito legítimo de qualquer consumidor, direito que se torna até mesmo um dever, especialmente quando o contratante for o poder público. Do outro lado as legítimas preocupações manifestadas pelo consulente.

Isto posto, como conduzir a pendência?
Pensamos que este Conselho, de forma mais ou menos direta, já se pronunciou várias vezes sobre o tema, através de pareceres de inúmeros Conselheiros, uns
que ainda iluminam esta Casa com suas sabedoria, outros que deixaram por cá a lembrança de sua competência e dedicação.

Assim, resta-nos reafirmar que os prontuários do paciente, contendo dados de interesse médico, não é instrumento de cobrança de serviços e sim repositório da sua vida médica, pertencendo a ele, paciente e a instituição que tem a sua posse no sentido físico e é responsável pela sua guarda por período indeterminado, podendo, após certo prazo, resumi-lo e armazená-lo em filmes ou discos magnéticos, se assim o preferir. O acesso a estes dados estará  sempre condicionado ao dever legal, aos interesses do paciente e a justa causa, na defesa dos interesses de terceiros, quando estes se sobrepuserem aos do indivíduo. É o que ensina Genival Veloso de França em sua obra Direito Médico, Fundo Editorial, BYK5ª,
edição, pg 130:

"A revelação do segredo médico não
pode constituir um crime quando feita pela necessidade de proteger-se um
interesse contrário mais importante. No confronto de dois bens, o Direito
aprova e consente o sacrifício do menos valioso."

Entendemos que o acesso ao prontuário pela figura do auditor enquadra-se no princípio do dever legal, já que tem o mesmo atribuições de peritagem sobre a cobrança dos serviços prestados pela entidade, cabendo ao mesmo opinar pela regularidade dos procedimentos efetuados
e cobrados. Tem, assim, para bem exercer seu mister, de munir-se de volume suficiente de dados que permitam correta avaliação da matéria. Tem direito o
auditor, inclusive, de examinar o paciente, para confrontar o descrito no prontuário com o real estado do paciente, tudo porém em perfeita sintonia com o que determina o vigente Código de Ética Médica.

Outra coisa, porém, é a instituição prestadora de serviços médicos ser obrigada a enviar os prontuários aos seus contratantes públicos ou privados. As razões elencadas pelo consulente são mais do suficiente para julgarmos impróprio tal procedimento. Mesmo se considerarmos que todos os personagens envolvidos na auditagem, médicos ou não, estão submetidos ao princípio do sigilo profissional, estatuído no art. 154 do nosso vetusto Código Penal, entendemos de boa norma restringir ao mínimo necessário o número de contactantes com aquelas informações. A possibilidade de extravio é
outro inconveniente bem lembrado na consulta. Apesar de, nesses casos, poder-se responsabilizar o depositário infiel pelo dano decorrente da perda dos prontuários e, no caso de médico, ainda responsabilizá-lo eticamente como negligente no desempenho de suas funções. Assim, não consideramos como
justificativas válidas as mencionadas no documento originado da SISAC posto quse trata de defeitos conjunturais, cabendo sua resolução aos gestores do SUS, a
quem compete prover seus auditores de condições adequadas ao bom desempenho de suas funções, que reputamos de grande importância. O que não se pode é, para suprir tais deficiências, incorre-se em outro erro. Que o SUS, implementado sua política de descentralização, descentralize-se de fato, inclusive na auditoria, implantando níveis Regionais e Locais de auditagem. Discordamos ainda do entendimento de que o contacto direto entre auditor e auditados seja nefasto. Pelo contrário, que maneira melhor de se esclarecer possíveis dúvidas se não o
diálogo, "vis a vis," entre os dois protagonistas? Tal diálogo só se torna negativo quando for, na realidade, monólogo impositivo, sentença sem
julgamento, julgamento sem defesa. Os hospitais não têm estrutura? Mas que estrutura ser  essa, tão complexa para função tão burocrática? Que
hospitais serão esses, que têm estrutura para atender pessoas doentes mas não têm, sequer, uma mesa em uma sala - que tal a própria sala do faturamento -
para atender o auditor?

Em relação as solicitações da Justiça, devem ser recebidas com toda a consideração merecida por aquele Poder, porém declinando-se de atender, sugerindo-se que o Meritíssimo Juiz designe um médico - perito, o qual ter  acesso ao prontuário na instituição e dele poderá retirar as informações necessárias para o atendimento à solicitação judicial.

Quanto ao envio do prontuário ou de cópia do mesmo, por determinação da Justiça, o próprio Supremo Tribunal Federal estabeleceu jurisprudência sobre o tema no acórdão do Recurso Extraordinário Criminal nº 91.218-5-SP, 2ª Turma - Recorrente: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Recorrido: Juiz de Direito da Vara Auxiliar do 2º Tribunal do Júri de São Paulo, em 10/11/81, sendo Presidente e Relator o Ministro Djaci Falcão, cuja ementa oficial reza:

Ementa oficial: Segredo profissional. A obrigatoriedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso.

A revelação do segredo médico em caso de investigação de possível abortamento criminoso faz-se necessária em termos,com ressalvas do interesse do cliente. Na espécie, o Hospital pôs a fichaclínica à disposição de perito médico, que 'não estará  preso ao segredo
profissional, devendo, entretanto, guardar sigilo pericial' (art. 87 do Código de Ética Médica). Por que se exigir a requisição da ficha clínica? Nas circunstâncias do caso, o nosocômio, de modo cauteloso, procurou resguardar o segredo profissional. Outrossim, a concessão do writ, anulando o ato da autoridade coatora, não impede o prosseguimento regular da apuração da responsabilidade criminal de quem se achar em culpa.

Recurso Extraordinário conhecido, em face da divergência jurisprudencial, e provido. Decisão tomada por maioria de votos."

(RT, 562, agosto de 1982, pág. 407/425)

É o parecer, à consideração do Plenário.

Brasília, 10 de janeiro de 1994.

NEI MOREIRA DA SILVA

Conselheiro Relator

Aprovado na Sessão Plenária

Dia 13/01/94

NMS/acrc


PROCESSO CONSULTA CFM nº 2809/95
PC/CFM/Nº 05/96

INTERESSADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO PARANÁ

ASSUNTO: CESSÃO DE CÓPIA DE PRONTUÁRIO DE PACIENTE A CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE

RELATOR: CONS. LÉO MEYER COUTINHO

 

EMENTA

O diretor clínico não pode liberar cópia de prontuário de paciente para Conselhos de Saúde, porém tem o dever de apurar quaisquer fatos comunicados, dando-lhes conhecimento de suas providências, sob pena de responsabilização ética ou mesmo criminal.

PARECER

Uma médica consultou o Conselho Regional acerca da seguinte questão: "Se os Conselhos Municipais de Saúde estão autorizados a tirar cópias de prontuários de pacientes sem oconhecimento do Diretor Clínico e do médico que o assiste."

A esse respeito, o Conselho Regional prestou a informação de que: "a cópia de prontuários só pode ser feita através de autorização da Direção Clínica."

Esta lacônica resposta certamente não satisfez à doutora, pois cabe perguntar: "Pode o Diretor Clínico liberar cópia de prontuário de paciente ao Conselho Municipal de Saúde?" A
resposta é: NÃO! Vejamos por quê.

As leis nº 8.080/90 e 8.142/90, bemn como a Resolução nº 33 do Conselho Nacional de Saúde, estabelecem as competências dos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, que podem ser complementadas por legislação estadual ou municipal.

A lei nº 8.080, de 19/09/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências,

estabelece:

CAPÍTULO III - Da Organização, da
Direção e da Gestão

ART. 9º - A direção do Sistema Único de Saúde-SUS é única, de acordo com o inciso I do ART. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;

II- no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e

III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde órgão equivalente.

CAPÍTULO IV - Da Competência e das
Atribuições

SEÇÃO II - Da competência

art. 18 - À direção municipaldo Sistema Único de Saúde - SUS - compete:

I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;

XI - Controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde;

XII - normatizar complementamente as ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de atuação.

O Decreto nº 1.651, de 28/09/1995, que
regulamenta o Sistema Nacional de Auditoria no âmbito do Sistema Único de Saúde estabelece:

ART. 1º- O Sistema Nacional de Auditoria - SNA, previsto no ART. 16, inciso XIX, da Lei número 8.080, de 19 de setembro de 1990, e no art. 6 da Lei nº 8.689, de 27 de julho de 1993, é organizado na forma deste Decreto, junto à direção do Sistema Único de Saúde - SUS, em todos os níveis de governo, sem prejuízo da fiscalização exercida pelos órgãos de controle interno e externo.

ART. 2º - O SNA exercerá sobre as ações e serviços desenvolvidos no âmbito do SUS as atividades de:

I - controle de execução, para verificar a sua conformidade com os padrões estabelecidos ou detectar situações que exijam maior aprofundamento;

II - avaliação da estrutura, dos processos aplicados e dos resultados alcançados, para aferir sua adequação aos critérios e parâmetros exigidos de eficiência, eficácia e efetividade;

III - auditoria da regularidade dos procedimentos praticados por pessoas naturais e jurídicas, mediante exame
analítico e pericial.

Parágrafo Único ..............

ART. 3º - Para o cumprimento do disposto no artigo anterior, o SNA, nos seus diferentes níveis de competência,
procederá:

I - à análise:

c) dos sistemas de controle, avaliação e auditoria;

I - de prontuários de atendimento individual e demais instrumentos produzidos pelos sistemas de informações ambulatoriais e hospitalares;

III - ao encaminhamento de relatórios específicos aos órgãos de controle interno e externo, em caso de irregularidade sujeita a sua apreciação; ao Ministério Público, se verificada a prática de crime; e ao chefe do órgão em que tiver ocorrido infração disciplinar, praticada por servidor público, que afete as ações e serviços de saúde.

Entretanto, ao prever, entre outras, a competência: "fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e serviços de saúde", isto não significa, em absoluto, competência para intervir, apurar ou punir eventuais transgressões cometidas por prestadores de serviços, em especial a atuação médica, mesmo porque os Conselhos não tem competência executiva, mas tão somente deliberativa.

Conseqüência, compreensível, do regime de exceção (ditadura), qual mola excessivamente comprimida, ao soltá-la distende-se além da medida, para depois voltar a posição de normalidade. Nesta fase de distensão está a sociedade. Vemos múltiplos órgãos, governamentais ou mesmo privados, atribuindo-se funções que não lhes competem. Exemplifiquemos com o próprio Conselho de Saúde:

- se o Conselho Municipal de Saúde toma conhecimento de compras de material com preços superfaturados, não irá ele investigar mas sim solicitar à Secretaria de Saúde que instaure o competente inquérito administrativo. Poderá ainda denunciar o fato ao Ministério Público. São estas as autoridades competentes para agir. O secretário terá, inclusive, o dever de comunicar ao Conselho Municipal de Saúde o resultado de sua atuação, sob pena de prevaricação;

- se o Conselho Municipal de Saúde toma conhecimento de contas hospitalares suspeitas de fraudulentas, também solicitará à Secretaria que promova a auditoria necessária;

- se o Conselho Municipal de Saúde toma conhecimento de possível má prática médica, denunciará o fato ao Conselho Regional de Medicina, à Direção do Hospital ou sua Comissão de Ética, ou mesmo à Polícia. No aspecto ético caberá exclusivamente ao Conselho Regional de Medicina apurar o fato; criminalmente, caberá à Justiça, com o preliminar inquérito policial.

Além do até aqui indicado, temos, ainda, de forma absoluta, a previsão contida no Código de Ética Médica, que estabelece o seguinte ilícito ético:

Art. 108 - Facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não obrigadas ao mesmo compromisso.

Esse entendimento já foi, em 1962, alvo de apreciação pela Suprema Corte, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS nº 39.308 - São Paulo. O habeas corpus foi impetrado contra o juiz que exigia do diretor do Hospital das Clínicas de São Paulo o envio do prontuário de um paciente. Dessa primorosa peça destacamos:

EMENTA - Segredo profissional. Constitui constrangimento ilegal a exigência da revelação do sigilo e participação de anotações constantes das clínicas e hospitais. Habeas corpus concedido.

Do voto do eminente Ministro Cândido Motta Filho, transcrevo o seguinte:

"E, por fim, o eminente Ministro Vilas Boas concedia a ordem, por ser o arquivo do Hspital indevassável. E não é possível obrigar-se o Diretor do Hospital a fazer aquilo que sua consciência recusa a fazer."

Pela discussão havida e pelas razões dos doutos votos pronunciados, justificou-se o meu pedido de vista. "Aliás, é o tema realmente, pelo seu significado e por suas conseqüências, um dos mais ascinantes da vida jurídica".

Pelo exposto, o Diretor Clínico não pode liberar cópia de prontuário de paciente ao Conselho de Saúde, mas tem o dever, sob pena de responsabilidade ética e mesmo criminal, de tomar todas as providências quanto a eventual ilícito denunciado. Essa é a atitude transparente que a sociedade legitimamente deseja e tem direito.

Este é o parecer que S.M.J., atende ao
fato questionado pela médica.

Brasília, 14 de agosto de 1995.

LÉO MEYER COUTINHO

Conselheiro Relator

Parecer aprovado na Sessão

Plenária do dia 14/06/96

LMC/mfmo